Caros alunos e alunas:
Abaixo, temos um
texto sobre o NEONAZISMO no Brasil. O texto é antigo, mas fornece informações
valiosas sobre a penetração desta ideologia na juventude e em suas músicas e
manifestações culturais. Leia e reflita sobre os perigos desta ideologia para a
sociedade brasileira atual.
Boa reflexão!
Gangues
racistas e neonazistas saem do porão e usam a violência para divulgar suas ideias
(Fonte: Revista Isto é, 07/10/1992).
CABEÇAS
OCAS
Por MALU OLIVEIRA
Na noite
de quarta-feira, 23 de setembro, uma briga entre gangues rivais interrompeu o
show da banda americana Ramones no Canecão, no Rio de Janeiro. Sete pessoas
ficaram feridas. Na madrugada de quinta-feira, 24, dois tiros foram disparados
contra os muros da Rádio Atual, em São Paulo, e em seguida pichados com slogans
contra nordestinos. No sábado, 26, túmulos do Cemitério do Centro Israelita, em
Porto Alegre, amanheceram pintados com suásticas e frases pregando a morte dos
judeus. Aparentemente isolados, os três episódios, na verdade, exibem a face
comum de quase uma dezena de grupos de jovens que cresce no Sul do País: a
violência como forma de auto-afirmação ou de divulgação de ideias conservadoras
e racistas. Ao contrário dos milhares de estudantes que foram às ruas rios
últimos meses defender a democracia e a ética na política, essas gangues, cuja
característica mais visível é o cabelo cortado no estilo militar o que lhes deu
a denominação "os carecas" , preferem usar seus músculos avantajados
para caminhar na contramão da história e ressuscitar ideologias ultrapassadas
como o Integralismo e o Nazismo.
Carecas do
Rio de Janeiro, Carecas do Subúrbio, Carecas do ABC, Skinheads ou White
Power. Nacionalistas ou separatistas, integralistas; ou neonazistas. O nome
ou a ideologia pouco importa. O rosto quase sempre escondido por capuzes, corpo
treinado em lutas marciais e eterna disposição para brigar são a marca
registrada dessas gangues que vivem na periferia das grandes cidades e agem
escondidas na certeza de que estão perturbando a ordem e infringindo leis.
"Eles se consideram marginalizados pelas instituições e por isso não as
respeitam", afirma a antropóloga carioca Márcia Regina da Costa, 38 anos,
professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC) e autora da
tese de doutorado Os Carecas do Subúrbio caminhos de um nacionalismo moderno.
Anônimos
até o mês passado, os Carecas do Subúrbio e os Skinheads ou White Power agem há
mais de três anos, mas praticamente só eram conhecidos dos proprietários e frequentadores
de casas noturnas, acostumados com as arruaças que eles promovem nos finais de
semana. No dia 17 de setembro os dois grupos tiveram, porém, seus 30 minutos de
glória. O programa Documento especial, exibido pelo SBT, colocou no ar
representantes do White Power, o mais radical, em uma reportagem sobre o
crescimento dos racistas e segregacionistas no Brasil. Macbaker, o apelido de
um dos mais raivosos Skinheads, aproveitou, então, as câmeras da televisão para
despejar seu ódio contra negros, judeus e nordestinos e defender a separação do
Sul e Sudeste do resto do País. "Nordestinos são mestiços, raça inferior.
Nós queremos viver sem estar esbarrando nesse tipo de gente", afirmou.
Provavelmente
embalados com a súbita publicidade, os Skinheads passaram das palavras à ação.
Uma semana depois do programa na tevê, atacaram a Rádio Atual, direcionada ao
público nordestino estimado em mais de quatro milhões de migrantes só em São
Paulo e que funciona junto ao Centro de Tradições Nordestinas um local de lazer
que reúne centenas de pessoas nos finais de semana. Na madrugada de
quinta-feira, 24, dois tiros disparados contra os muros da rádio interromperam
um programa de forrós. No dia seguinte, os muros amanheceram pichados com
suásticas; e a inscrição "Morte aos nordestinos". "Eu já havia
recebido intimidações pelo telefone, mas com esse atentado eles passaram dos
limites", diz o paulista José Masci de Abreu, 47 anos, proprietário da
rádio e presidente do centro de tradições.
Alertada
pela pichação na rádio e pelo programado SBT, a Secretaria de Segurança de São
Paulo mandou abrir dois inquéritos policiais. A briga no Rio de Janeiro e as
inscrições contra os judeus no cemitério de Porto Alegre também levaram a
Polícia Federal a iniciar investigações sobre a atuação de grupos neonazistas
no País.
Em São
Paulo, o delegado Marco Antônio Veronesi, superintendente da PF, espera
concluir em 20 dias a investigação preliminar iniciada na quarta feira,
30,"O racismo é crime hediondo e se identificarmos os integrantes dessas
gangues eles vão responder a um inquérito , avisa Veronesi. "Ainda não há
motivo para pânico, mas estamos preocupados porque esses crimes começam
atacando uma minoria e acabam atingindo os alicerces de uma sociedade",
diz o rabino Henry Sobel, presidente da Congregação Israelita Paulista.
O
inquérito policial e a repercussão que as ações tiveram às vésperas do Ano Novo
judaico, comemorado no domingo, 27, levaram os Skinheads a saírem de
circulação. Reunidos no final de semana, os integrantes do White Power
concluíram que Macbaker, Puga e Alemão, que assumiram em entrevistas aos
jornais a autoria do atentado contra a rádio, se expuseram demais e que
precisavam sumir da cidade por alguns dias. Embora com medo da polícia e da
reação inicial da sociedade, eles prometem continuar a agir. "Isso foi
apenas o começo. A violência é a forma de coação que temos para fazer valer
nossas idéias", diz S.M.C., de 25 anos, um dos expoentes do grupo
neonazista.
Casado,
pai de dois filhos, S.M.C. trabalha como serralheiro em uma cidade da Grande
São Paulo e cursa o colegial. Esconde o rosto atrás de um capuz, não diz o nome
e tampouco o endereço com medo de ser identificado pela polícia. Anda armado
quando sai para alguma pichação ou para brigar contra seus inimigos preferidos:
Carecas do Subúrbio e punks.
"Eles
são uns débeis mentais porque aceitam judeus, negros e nordestinos entre
eles", afirma. O ódio de S.M.C. contra judeus, negros e nordestinos surgiu
há pouco mais de três anos, quando abandonou a gangue, Carecas do Subúrbio, na
qual estava desde 1984. Passou a ler a biografia de Adolf Hitler e os livros
sobre o nazismo. Entrou em contato com os defensores do Fuhrer no Brasil, como
o carioca Armando Zanine Júnior, 62 anos, presidente do Partido Nacionalista
Revolucionário Brasileiro, e com o gaúcho Sigfried Ellwanger Castan, autor de
livros que desmentem o holocausto.
"Eu
já era um skin, mas estava no lugar errado, cercado de gente de raça inferior e
de marginais", conta ele. "Hoje, só temos em comum o combate às
drogas e aos homossexuais."
A gangue
que hoje se intitula Carecas do Subúrbio e da qual saiu boa pane dos Skinheads
surgiu em São Paulo como um grupo punk em meados da década de 70, na esteira do
movimento que se formava na Inglaterra. Embora fossem fãs da banda inglesa Sex
Pistols, que pregava a destruição da suástica e defendia ideias anarquistas,
alguns dos seus integrantes adotavam o pensamento conservador dos Carecas
ingleses, que haviam surgido em meados dos anos 60 e que se caracterizavam por
combater os imigrantes - usavam a cabeça raspada para evitar que os cabelos
fossem puxados pela polícia.
O
movimento chegou ao Brasil meio descaracterizado, unindo várias tendências, mas
todas ligadas pela marginalidade social e pela revolta contra sua condição de
vida", conta a antropóloga Márcia Regina. No início da década de 80, as
diferenças ideológicas e os métodos de ação acabaram levando a divisão desses
grupos no Brasil. De um lado ficaram os punks, que incluíram desde anarquistas
até nacionalistas e adotavam comportamentos menos conservadores em relação às
drogas e aos costumes. De outro os Carecas do Subúrbio, nacionalistas
ferrenhos, combatentes dos drogados e homossexuais.
Com quase
500 integrantes em São Paulo, o grupo experimentou um novo racha no final da
década de 80. Surgiram, então, duas outras facções, que mantinham como
característica comum o ódio a drogados e homossexuais, oculto ao corpo e a
violência como forma de convencimento.
Os que
defendem o integralismo de Plínio Salgado, todos homens e de classe baixa,
formaram os Carecas do ABC, e passaram a ser temidos nas ruas de Santo André.
os neonazistas criaram o Skinheads, que hoje também se in titula White Power e
é formado por rapazes e moças de classe média, com idades entre 17 e 30 anos. A
maioria concentrada na região metropolitana de São Paulo, tem ramificações em
todo o Sul do Brasil e se correspondem com os grupos racistas estrangeiros.
"Recebemos publicações e víde os dos Skinheads europeus e da Klu Klux Klan
(Seita racista americana)", afirma o belicoso S.M.C., do White Power.
Dos
Carecas do Subúrbio restaram em ao Paulo pouco mais de 50 pessoas, quase todos
filhos de operários que moram na zona este da capital e que mantêm
correspondência com grupos de Carecas de todo o Brasil. O mais forte deles está
no Rio de Janeiro: os cerca de 50 jovens acusados de promover a baderna no
Canecão e que começaram atuando no Partido Nacionalista Revolucionário Brasileiro,
de Armando Zanine Júnior, mas que hoje garantem ter abandonado o culto a
Hitler. "Não somos simpatizantes do nazismo e não fazemos segregação
racial", afirma Marcelo Rocha Peixoto, 25 anos, um dos mais antigos
integrantes dos Carecas do Rio de Janeiro.
"O
barbarismo dos Skinheads acabou prejudicando grupos corno o nosso, que têm
negros, nordestinos e judeus, pois agora qualquer careca vai ser caçado como
nazista", diz Caçador, apelido de um estudante de enfermagem paulista, 23
anos, e que há oito faz parte do Carecas do Subúrbio.
Trabalhadores
ou estudantes durante o dia, os Carecas e os Skinheads abandonaram a cabeça
raspada para não serem mais identificados hoje usam o corte militar e até
permitem alguns fios compridos. Coturnos ou botas nos pés, camisas de manga
longa e gola alta para esconder tatuagens bandeiras, dragões e cachorros nos
Carecas do Subúrbio, suásticas e aranhas nos Skinheads _, andam armados de
correntes, soco inglês e, eventualmente, revólveres. Só saem à noite em grupos
e perambulam pelas ruas à procura de gangues com quem duelar.
"Individualmente eles não têm força nenhuma, são covardes. O grupo é a proteção",
diz a antropóloga Márcia Regina.
Valentes
para atacar os bandos rivais ou amedrontar os homossexuais, os Carecas do ABC,
por exemplo, ficam apavorados quando aparece um carro da polícia. "O
importante é não ser notado, por isso nunca ficamos muito tempo no mesmo lugar,
conta Carrasco, 25 anos, um dos líderes ou "general" do Carecas do
ABC. Ao contrário dos Outros grupos, que não têm hierarquia os Carecas do ABC
seguem disciplina militar. Carrasco e outros 15 Carecas costumam se encontrar
nos finais de semana no paço Municipal de Santo André. o assunto é sempre o
mesmo: "Os judeus devem ser eliminados porque são párias da sociedade e os
homossexuais porque são degenerados."
Nos
encontros, se divertem fazendo cara de mau para assustar as pessoas, mas não
tocam em álcool ou mulher. "Mulher tem de ficar em casa, pronta para dar
carinho", diz Chacal, 22 anos.
Separados
pelas diferenças ideológicas sutis e pela composição racial dos grupos, Carecas
e Skinheads têm em comum, além da violência, a crítica a todas as instituições
sociais não acreditam em partidos políticos nem sindicatos e não seguem nenhuma
religião, embora a maioria diz acreditar em Deus. São unânimes, também, em
condenar a corrupção do governo Collor. Mas nenhum deles engrossou as
manifestações dos jovens pró impeachment. "As passeatas foram o carnaval
dos estudantes, coisa de filhinhos de papai, burgueses", diz Marcos da
Rocha Peixoto, um dos Carecas do Rio de Janeiro.
Enquanto
os estudantes faziam passeatas para defender a ética e a democracia, eles
preferiam pichar muros e usar a força em combates a grupos rivais ou atacar
minorias pacíficas.
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